MAIS UM SHOT
Aos 15 anos tudo é tão mais ilusório, frágil e susceptível.
Eu saía da escola e ficava na casa da minha amiga até as 18h, eu queria relaxar, os meus pais estavam se separando, era um processo confuso e complexo, eu estava longe deles, parecia o fim do mundo pra mim!
Convenci a minha prima a fazermos as tarefas domésticas de maneira semanal, assim eu podia passar uma semana inteira voltando as 18h à casa, mesmo que saísse as 12h. Eu queria desaparecer!
Costumava dizer que preferia ser caseira e que me sentia mal na rua, como se estivesse fazendo algo errado, mas a verdade é que eu adorava estar fora de casa, a minha casa era a rua, não é à toa que agora eu seja a turista com pouco kumbú, turista em pessoas, em coisas, em lugares, a FILHA DAS RUAS, como o NGA. As ruas me criaram, eu me criei!
Não tinha pai nem mãe, era só eu e quem quisesse me seguir, ciente que não demoraria na minha vida, eu tinha medo da permanência, os meus pais não permaneceram, pensava!
Era só a ideia trágica de abandono, ainda tenho medo disso, sinto que a minha história ainda é trágica!
Parecia o fim do mundo, te disse.
Eu comecei a treinar Andebol para desestressar, o campo era longe da minha casa na Camunda e ainda mais longe da minha casa em Ondjiva, Cunene. Quando saía do treino às 17h30 costumava correr até à praia em vez de ir à casa, assim que escurecesse bastante eu entrava no mar. Não é engraçado? Eu acreditava mais em sereias e fadas do que em deuses, pois se há um reino no céu por quê não haveria um no fundo do mar? E outro nas árvores no Jardim da Administração Municipal de Benguela? Talvez porque as sereias tenham feito mais por mim do que os deuses, quer dizer, eu gosto dos filmes e caudas são interessantes, todo ser vivo que se valoriza tem uma cauda. Eu sei, ponto para os gatos da minha rua. Talvez porque eu quisesse provar algo que os cientistas ainda não provaram: a existência delas. E talvez por que eu quisesse ser resgatada, ainda quero.
Uma sereia pegaria no meu pé e me levaria para o mais ermo do Oceano Atlântico, mas não dava, não dava pro verdadeiro resgate, não dava pra escapar de mim mesma. Eu tenho que lidar comigo mesma pra sempre!
A adolescência continuou e outras dores vieram.
Na semana passada perdoei o meu pai, por quê? Porque eu já nem lembrava o motivo da mágoa. Não posso culpá-lo da separação pra sempre e às vezes estamos tão preocupados com as nossas dores que nem percebemos que o outro foi atropelado pela estrada da vida também. Aos 15 anos eu não percebi, eu só estava preocupada com a minha dor, parecia que eu me estava separando. E porra, eu nem sabia o que era sexo, o que era casamento. Eu estava magoada e queria magoar, mesmo que fosse só com o meu silêncio e afastamento.
Também perdoei uma amiga e o meu ex namorado. Acho que cansei de ser da Liga da Justiça, a Mulher Maravilha com o chicote da verdade, fodam-se todos os conceitos que criei para ser inalcançável, eu não sou.
E me irrita a parte de ainda acreditar mais em sereias do que nos deuses, me irrita!
Eu não posso rezar, eu não posso ajoelhar e suplicar por dias melhores, eu só sei ajoelhar e amar e odiar e me ferir e entrar no mar. Eu só tenho o texto. Descobri hoje que eu só tenho isso quando vi os zeros nas minhas contas bancárias. Como posso ser uma turista com pouco kumbú sem kumbú nenhum?
Eu queria chorar pela distância com os meus pais, chorar por não ter Wifi em casa, chorar por estar a ser difícil aprender Francês, chorar pelo meu último relacionamento que acabou porque tínhamos tudo para ser o Jay Z e a Beyoncé (eu sou o Jay Z, óbvio), mas até pra isso eu tou deprimida demais, deprimida com os zeros na minha conta e por só ter um maldito texto todos os dias, eu não estaria vivendo nada disso se fosse uma sereia ou o Peter Pan.
Viver não é só sobre crescer e encarar isso ou sobre não crescer e ser derrubado pelos mais fortes, é pagar contas e não desistir de nada e não poder chorar o dia todo também. Ninguém me contou isso, aos 15 anos tudo é tão mais ilusório, manso e susceptível. Aos 21 é dramático e ensurdecedor.
Não, não estou reclamando da falta dinheiro, eu estou triste porque as coisas acabam, os lugares acabam, as pessoas acabam. Falta tudo.
Can't we just talk? Can't we just talk?
Talk about where we're goin'
Before we get lost, let me out first
Can't get what we want without knowin'
I've never felt like this before
I apologize if I'm movin' too far
Can't we just talk? Can't we just talk?
Figure out where we're goin'
Eu só sei o que não quero.
Tell me somethin' I ain't heard before.
Escrever não muda nada também, há dores que nunca passam, a bolha só cresce. A Regina disse: a vida é uma merda que às vezes suportamos o cheiro. O que acontece quando já não o suportamos? Morremos de Rinite? Sinusite? Bronquite? Pneumonia? Coronavírus? Qual doença respiratória vai me matar um dia? Espero que nenhuma, eu já decidi morrer congelada ou como o Tywin Lannister de Game of Thrones.
Espero que você não se identifique com este texto, a Beyoncé me lembrou 'if you don't jump to put jeans on, baby, you don't feel my pain (oh, look)'. Além disso é sempre assim: hoje estamos bem, hoje estamos mal. Nada novo debaixo do sol, coisas boas e coisas más.
De manhã se está triste por tudo e de tarde se está feliz por ter aprendido a tocar Redemption Songs do Bob Marley na guitarra.
Como diria Don G: mais um Shot, moça, por favor, quero ir pro Brasil!
(Vou pagar com o dinheiro que eu não tenho)